Sabe o que eu tenho achado super interessante no facebook? A politização. Sim, nós no Brasil temos a, digamos, "autofama" de sermos seres "apolíticos", se é que essa palavra faz algum sentido. Pois bem, o facebook está provando exatamente o contrário, senão está mudando esse quadro para melhor. É incrível a quantidade de assuntos, mobilizações em massa, debates, enfim, toda variedade de discussão política presente hoje nas redes sociais. Eu, pessoalmente, ganho muito, principalmente por não precisar me distanciar completamente do contexto político do meu país enquanto estiver fora.
Par contre, tem o lado ruim disso tudo também: é impressionante como muitos brasileiros estão descontextualizados ou tomam partido de algo sem refletir muito bem sobre o assunto, pior e mais profundamente falando: é triste ver como o brasileiro é individualista. Talvez seja esse individualismo o responsável pela nossa cultura feia de autocrítica. Saber se criticar é legal, é válido sim, mas temos que saber criticar o que realmente é problemático, sem deixar o individualismo influenciar na decisão.
Uma coisa muito comum que vejo criticarem de maneira totalmente individualista e sob uma ótica extremamente errada é o famoso sistema de cotas. Eu era contra o sistema de cotas, sim, quando eu tinha 15 anos e mais da metade das minhas opiniões era diferente das de hoje em dia. As pessoas evoluem, algumas mais, outras menos, umas positivamente, outras negativamente. Eu acredito que evolui positivamente, pois vejo muitas coisas com muito mais clareza.
Eu sempre caia no senso comum quando falava das cotas: "mas essa medida é absurdamente racista, é como se o Estado considerasse os negros menos capazes de passar no vestibular. E outra, isso é uma desculpa para o Estado não melhorar a educação básica, pois é muito mais fácil colocar alunos nas Universidades pela 'porta dos fundos' do que melhorar a base da educação brasileira". Pois é, se analisarmos o problema de maneira rasa, realmente, essa repetição de ideias "opinião" até que faz muito sentido...
Depois de fazer 2 vestibulares de instituições diferentes e um Enem, cheguei a uma conclusão realmente cruel: vestibulares são extremamente eliminatórios. Pois é, isso parece meio óbvio, né? rs. Mas na hora de expor as suas opiniões muita gente parte do pressuposto de que o vestibular é mais classificatório que eliminatório. Mas não é, e isso ficou claro pra mim quando fiz as provas. O caráter eliminatório do vestibular é tão forte qu eu ousaria dizer que esse tipo de prova Não testa muita coisa do que aprendemos no ensino médio, pelo menos não as coisas importantes. tanto que somos quase obrigados a fazer um curso de "apoio" que vai nos ensinar truques para decorar questões e fugir de pegadinhas, e não gerar conhecimento de fato.
Isso é compreensível, até. Como o governo vai oferecer educação de qualidade e 100% GRATUITA para 100% dos alunos em ponto de cursar a universidade (entende-se por alunos que terminaram o ensino médio)? Gente, isso é lindo, mas é impossível. Se nada é impossível, numa visão realmente otimista, isso é muito difícil de alcançar. Nem mesmo os países mais ricos e desenvolvidos do mundo conseguiram (a não ser alguns países do norte da Europa com IDH lá em cima e com uma população menor do que a cidade de São paulo).
Ok, justifica-se a aplicação de um exame de seleção eliminatório para a seleção de vagas nas universidades públicas. Só que isso tem tantos problemas, não? Primeiro vem a base da educação pública, que está mal das pernas há muito tempo. Outra é essa máfia de cursinhos pré-vestibular que se criou exatamente em função desses exames. Existem outros diversos fatores socioculturais que eu não tenho fontes nem conhecimento para citar, mas não podemos deixar de considerar. Isso tudo faz com que o acesso às universidades, além de limitado, seja desigual.
Sim, é hipocrisia, é MENTIRA dizer que um estudante de escola pública tem as mesmas chances de entrar numa universidade por meio de vestibular que um estudante de escola privada. Claro, muito disso tem a ver com a qualidade inferior da maioria das escolas públicas, então a solução certa seria melhorar a qualidade da escola pública para melhorar o acesso dos alunos às Universidades? Não é bem isso. A educação tem sim que melhorar, mas não para aumentar a competitividades dos alunos ante ao vestibular, e sim para melhorar a base desses alunos quando chegarem finalmente à universidade. Mas é certo limitar o acesso desses alunos à universidade simplesmente porque a educação pública não faz o seu papel? "Claro, vamos melhorar a educação primeiro". Mas isso é a longuíiiissimo prazo... E nesse meio tempo? Vamos manter a desigualdade por mais alguns anos? Ou vamos promover a "Equidade" do acesso à universidade? Sim, a palavra chave é equidade, pois sabemos que as condições socioculturais interferem e muito nessa questão, e arrisco dizer, independentemente das condições em que se encontra nossa educação básica.
O caminho é simples, gente. Nossa política atual está focada na diminuição das desigualdades sociais. Ter acesso à universidade, na nossa sociedade, é fundamental para que isso aconteça. Mas num país extremamente miscigenado, 80% dos postos são ocupados por pessoas brancas, de classe média para cima. Cadê a equidade de acesso com números como esse? Como promover o fim da desigualdade mantendo justamente o sistema que deu origem a esses números? A proposta do governo com as cotas é apenas mudar esses números. Já que o governo não pode dar educação superior gratuita e de qualidade para TODOS, que pelo menos uma parte de TODOS tenham acesso à isso, e não apenas um pequeno grupo privilegiado (sim, privilegiado) pelo contexto sociocultural do país.
Muita gente apenas trata o assunto pela ótica errada. As cotas não são um privilégio para negros e pessoas pobres, pelo contrário, é justamente a correção da falta de privilégios desses grupos. As pessoas são tão individualistas às vezes, pensam tão pequeno que vem com essa: "mas isso é dizer que os negros são menos capazes que os brancos". Não, não é mesmo. É óbvio que existem negros com base ótima para fazer o vestibular e negros com a base péssima, assim como existem brancos, índios, pardos, amarelos, de cada lado também. Mas será que essa proporção é igual para todos? Temos mesmo que ignorar que o histórico de racismo e escravidão vivido pelos negros do Brasil interfere fortemente nos fatores socioculturais? É fato, o negro e o branco tem a mesma capacidade cognitiva, somos seres da mesma espécie. Mas não podemos desconsiderar que o racismo tem sim colocado os negros numa posição inferior socioculturalmente, e isso se reflete no acesso às universidades quando pegamos uma turma de 50 alunos e vemos que no máximo 3 são negros... Mais uma vez, o objetivo não é nem nunca foi considerar os negros como inferiores, mas sim permitir o acesso do maior numero de negros possível à universidade pública, para assim tentar pelo menos diminuir essa lacuna sociocultural criada desde a escravidão e que vemos até hoje.
Esses dias li uma reportagem dizendo que alunos cotistas tem, em média, desempenho acadêmico inferior em cerca de 10% em relação a alunos não cotistas. Isso não diz muita coisa sobre o sucesso ou fracasso das cotas, no entanto, concordam? Querem atribuir um fracasso ao sistema de cotas justificando pelo desempenho inferior dos alunos. Mas o objetivo das cotas é qual afinal? Gerar alunos de grande excelência acadêmica ou simplesmente fazer com que alunos tenham acesso ao curso superior independente se sua base foi boa ou não? Pois é, na sua essência, as cotas têm cumprido seu papel de maneira exemplar: diminuindo a desigualdade de acesso às universidades entre negros e brancos, entres ricos e pobres... E isso é louvável, está longe de ser uma vergonha!
Mas claro, como pode um programa tão inclusivo ser aceito numa sociedade extremamente individualista? Antes de tecer opiniões, ou melhor, repetir opiniões, pense no quão individualista você é, e que arrumar um país é um pouco mais complexo do que arrumar o seu quarto! ;)
Bem gente, por hoje é isso! Em breve, plus des nouvelles sur le Canada! :)
À plus!