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domingo, 10 de novembro de 2013

Faça os testes na sua cara, literalmente...




Antes de iniciar qualquer discussão eu quero deixar algo bem claro: eu sou a favor da experimentação animal sim. E não se trata de uma opinião parcial de alguém que estuda Farmácia na universidade, nem de um ponto de vista tomado emocionalmente. É apenas uma questão de posição, afinal eu tento ser o mais coerente possível quando tomo partido de uma opinião.

Independente de qualquer posicionamento ideológico, é fato que a invasão e assalto do Instituto Royal há algumas semanas foi, não somente exagerada e extremamente prejudicial em diversos aspectos, como também criminosa. Você pode ter a ideologia que for, somos livres para pensar e tirar nossas próprias conclusões sobre qualquer coisa. Mas daí a invadir uma instituição privada, depredá-la, saqueá-la, furtar animais (muito caros por sinal) e arruinar trabalhos de muitas pessoas, além de atrasar diversas pesquisas que viriam a beneficiar a própria comunidade, não deixa de ser uma atitude criminosa, e deveria ser punida.

Existe toda uma discussão ética e ideológica em torno deste assunto, óbvio. Fala-se muito em especismo e combate aos maus tratos dos animais. Nós, enquanto espécie, de fato, não poderíamos causar dor ou submeter animais à procedimentos cruéis sem justificativa plausível. Eu, inclusive, concordo plenamente com a afirmação anterior. A questão é: onde que a experimentação animal interfere na afirmativa anterior?

Primeiro tópico é a crueldade. Eu não sei se as pessoas não sabem, ou se simplesmente ignoram essa informação [ATENÇÃO, ISSO PODE MUDAR A SUA VIDA PARA SEMPRE], mas antes de qualquer tipo de experimentação animal prevista no protocolo de aprovação de um produto destinado à consumo humano, ou mesmo simples experimentação para fins de pesquisas a respeito de fisiopatologia de doenças, antes de serem executadas precisam, obrigatoriamente, passar por uma coisa chamada Comitê de Ética. O objetivo disso é justamente, entre outras coisas, avaliar a necessidade da utilização de sistemas in vivo, e garantir que a pesquisa não gere (ou gere o mínimo) de sofrimento às cobaias.

Eu, sinceramente, duvido muito que uma empresa como o Instituto Royal (ou qualquer outra empresa farmacêutica, por mais porca e desonesta que seja) faça testes ati-éticos e que promovam, sem necessidade, o sofrimento dos animais utilizados para a pesquisa. Não é o objetivo da pesquisa causar sofrimento a outros seres vivos, as empresas não são sádicas a esse ponto. Causar dor e sofrimento não vai facilitar o andamento dos testes (pelo contrário, inclusive). Outras práticas amplamente difundidas causam muito mais sofrimento aos animais e queda de sua qualidade de vida, desde a criação e abate de animais para consumo de sua carne até mesmo a você, solteirão (solteirona), vivendo sozinhx numa casa com apenas um gato, que por sinal está obeso e cheios de problemas de saúde, que não consegue nem mais andar direito sozinho, porque você coloca porra de ração em excesso e ainda deixa ele comer o que não deveria.

Existe o argumento mais ideológico, menos pragmático, que diz que independente se a atividade causa ou não sofrimento ao animal, a prática deve ser abolida, afinal, somos todos animais, todos temos capacidades cognitivas excepcionais (estamos falando apenas de animais superiores, boa parte dos cordados que possuem algum sistema nervoso mais ou menos definido, e com quem podemos nos identificar por hora). Explorar tais animais seria algo semelhante à escravidão. Esse argumento pode até fazer muito sentido, se desconsiderarmos diversos detalhes.

Um deles é que, apesar de nos identificarmos com esses animais, eles não são da nossa espécie, logo, eles não são integrantes da sociedade, pelo menos não da mesma maneira outros seres humanos. Isso não quer dizer que eu esteja afirmando que seres humanos são superiores a outros animais, mas nós, enquanto espécie, nos organizamos em sociedade justamente com o objetivo (um deles) que continuar perpetuando nossa espécie.

É uma adaptação evolutiva. A ciência é uma adaptação evolutiva positiva, uma vez que se não tivéssemos desenvolvido a ciência ao ponto que ela existe hoje, nossa espécie não teria se perpetuado com tanta eficácia, talvez até entraríamos em extinção. E isso inclui, necessariamente, a utilização de animais em testes. Deixar de fazer esses testes por considerar a utilização de animais antinatural ou errada poderia ser uma atitude nobre, mas sem dúvida nenhuma, poderia condenar a nossa espécie. Se um tigre possuísse capacidade cognitiva semelhante à nossa e deixasse de se alimentar de mamíferos herbívoros para não explorar tal espécie, com certeza o tigre estaria condenado à extinção.

Óbvio que fazer testes em animais com os quais nos identificamos não é uma tarefa agradável. Se houvesse alternativa que nos permitisse substituir esses testes, sem dúvida estas seriam utilizadas. E seriam largamente difundidas, por sinal, pois ao contrário do que têm publicado por aí, a experimentação animal está longe de ser uma alternativa barata e rápida. Mas é a única alternativa para diversos testes onde se precisa determinar a distribuição da substancia em um organismo inteiro. Não, não existem outras alternativas. Ou é isso, ou é abrir mão da nossa capacidade de se sobrepor a obstáculos evolutivos, o que não deixa de ser uma forma de evolução.

Eu respeitaria muito a posição destas pessoas que se opõem aos testes, primeiro, se elas não cometessem atitudes criminosas que só resultarão em perdas financeiras para todos nós, mesmo que indiretamente (lembrando que o instituto Royal está envolvido em diversas pesquisas de Universidades e Institutos federais, logo, indiretamente é nosso dinheiro de contribuinte que foi jogado no lixo), segundo, se eles não espalhassem todo tipo de informação falsa e sensacionalista a respeito dos testes e de seus realizadores. Pensem comigo, o pesquisador no Brasil já tem que enfrentar um ambiente de trabalho que não é lá dos melhores, trabalhando muito, com poucos recursos e com salários bem abaixo da média mundial. Tudo isso para desenvolver produtos que beneficiarão a todos... para depois serem reduzidos a meros demônios sem coração, sádicos, torturadores de beagles.

Só para salientar mais dois aspectos importantes. Primeiro, esses testes são uma exigência internacional para que qualquer produto de uso terapêutico ou não, destinado a consumo humano, possa entrar no mercado. Proibir os testes aqui não significa acabar com a experimentação animal, significa apenas que estes testes serão feitos em outro país, ou seja, empresas nacionais perdem a chance de fazer os testes (menos empregos para pesquisadores ou futuros pesquisadores, como o rapaz que vos escreve), e nós perdemos dinheiro e tempo, visto que provavelmente os custos e o tempo de desenvolvimento subiriam muito se os testes de produtos desenvolvidos no Brasil tivessem que ser feitos no exterior.

Em segundo lugar, qualquer produto, mesmo cosméticos, devem ser testados in vivo antes de entrarem no mercado, não chega a ser uma exigência, mas é realmente aconselhável. Existem empresas nessa confusão toda que dizem se abster de qualquer teste de experimentação animal. Grande jogada, não? Aliás, das duas uma: ou essa empresa utiliza produtos que já foram testados em animais (não por ela, porque ela não sujaria as mãos cometendo tamanha atrocidade), ou elas simplesmente não fazem os testes. Se elas não fazem, é óbvio que elas não tem permissão para fazer testes em preto bandido favelado (isso foi ironia) presidiários e criminosos como muitos por aí andam sugerindo (isso sim seria anti-ético, mas é assunto para um próximo post). Ou seja, o produto vai ser testado linda e literalmente na SUA CARA (ou em outra parte, mas seria legal se fosse na cara, né?)! :)

Tá grande, tá confuso, tá emocionado... Mas acho que pelo menos tem coerência. Precisava dizer isso tudo. Algumas pessoas simplesmente ignoram o trabalho de outras como se aquilo não lhes fosse necessário. Reflita mais profundamente e respeite o trabalho dos outros.

Um grande abraço a todos... até o próximo!